quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Serás campeão: dez mandamentos para o momento histórico dos mineiros

Força em casa, apoio da torcida, capacidade de contratação, comprometimento tático e aposta em estrutura física ajudam a explicar soberania dos clubes do estado

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Os dois últimos anos colocaram Minas Gerais no epicentro do futebol brasileiro. Em 2013: Atlético-MG campeão da Libertadores, Cruzeiro campeão brasileiro; em 2014: Cruzeiro perto do bicampeonato nacional, ambos na final da Copa do Brasil. É um momento histórico para os dois gigantes de Belo Horizonte – e um fenômeno que certamente não é ocasional. Para chegar lá, foram respeitadas algumas leis do futebol, algumas regras que, quando combinadas, aproximam os clubes do mandamento que eles mais buscam: serás campeão.
2013:
Atlético campeão da Libertadores
Cruzeiro campeão brasileiro

2014:
Ambos na final da Copa do Brasil
Cruzeiro líder do Brasileirão
Abaixo, estão listadas algumas qualidades que, com maior ou menor intensidade, influenciam no sucesso recente dos dois clubes. São apostas em comum de Cruzeiro e Galo: força como mandante, identificação com a torcida, metodologia em contratações, continuidade, aposta em estrutura física, consideração com as categorias de base, confiança em referências dos torcedores, o mínimo de paz política, profissionalização do departamento de futebol e modernidade tática.

Não há nenhuma descoberta da roda nesses elementos. São pontos de conhecimento do universo do futebol. O que tem diferenciado os mineiros de boa parte de seus concorrentes é a capacidade de colocá-los em prática, como observa o técnico do Cruzeiro e ex-profissional do Atlético-MG, Marcelo Oliveira:

- O que acontece é uma combinação de aspectos positivos. São dois clubes tradicionais, de grande torcida, com bons estádios para jogar, com estrutura física muito boa, entre os três ou quatro melhores do Brasil nesse aspecto. Isso gera receita para formar bons grupos de jogadores, bons elencos, e tudo isso aliado a administrações seguras, equilibradas, que investem bem no futebol.

1º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)


Cruzeiro no novo Mineirão: 85,9%
Galo no novo Independência: 79,2%
Atlético-MG e Cruzeiro não têm um estádio próprio. Mas souberam se apossar de duas casas que viraram símbolos de sua força. O aproveitamento do Cruzeiro no Mineirão é de 85,9% desde a reabertura do maior palco de Minas Gerais, em 2013. O Atlético-MG, no Independência, chega a 79,2% desde que ele voltou a ser liberado para jogos, em 2012. No Horto, o Galo fez milagres e referendou boa parte da caminhada na Libertadores da América do ano passado. No Mineirão, o Cruzeiro arquitetou a conquista do Brasileirão do ano passado. Antes, quando os estádios estavam fechados, os clubes padeceram e chegaram a correr risco de rebaixamento no nacional.
2º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)
As torcidas dos dois clubes vêm se mostrando muito presentes. O Cruzeiro tem a terceira melhor média de público do Brasileirão, com 27.136 pagantes por jogo. No ano passado, foi quem mais levou torcedores ao estádio no campeonato: 28.911 pagantes por partida. Em 2014, o Atlético-MG lidera no quesito ocupação, com 70%. A Raposa também vai muito bem em número de sócios. Tem mais de 65 mil – o terceiro maior quadro associativo do país, atrás apenas de Inter e Grêmio. O Galo pode melhorar nesse ponto: é o nono com mais sócios, com mais de 33 mil torcedores formalmente ligados ao clube.
torcida atletico-MG independencia (Foto: Mauricio Paulucci)Torcida do Atlético-MG: apoio incondicional ao time no Independência (Foto: Mauricio Paulucci)


3º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)


Ricardo Goulart, meia do Cruzeiro, comemora gol contra o Criciúma (Foto: Gualter Naves / Light Press)Ricardo Goulart é exemplo do modo cruzeirense de contratar (Foto: Gualter Naves / Light Press)
Sabedoria no processo de contratações é determinante para uma temporada de sucesso. O Cruzeiro conseguiu montar um elenco exemplar, com ao menos dois jogadores do mesmo nível em quase todas as posições. O banco de reservas do time celeste tem jogadores como Ceará, Manoel, Bruno Rodrigo, Júlio Baptista, Dagoberto e Borges. O clube aposta preferencialmente em jogadores com potencial de evolução – Everton Ribeiro e Ricardo Goulart são casos exemplares. Quando o mercado oferece opções mais caras, mas viáveis, o clube vai atrás – é o que aconteceu com Dedé, por exemplo.

- O Cruzeiro fez um planejamento, contratou jogadores que deram resultado, trouxe grandes jogadores. Fez um planejamento legal. Os jogadores vieram, deram conta do recado. Isso soma. O momento é bom porque teve um planejamento, uma escolha certa dos jogadores – resumiu o volante Henrique.

O Atlético-MG é menos sistemático em suas aquisições. Alexandre Kalil assumiu a presidência do clube em outubro de 2008 e já naquela época dizia que seria cirúrgico nas compras. Dois anos depois, porém, já tinha adquirido mais de 60 atletas – e dispensado quase metade deles. Mas aprendeu com os erros. Em 2012, por exemplo, só buscou 11 atletas. No ano seguinte, foram mais dez. Em 2014, menos ainda: nove. A diretoria costuma apostar em nomes mais consagrados. Alguns deram certo, casos de Ronaldinho, Victor e Diego Tardelli, e outros funcionaram bem menos – Diego Souza é um exemplo.

4º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)
Cuca ficou dois anos e meio no Atlético-MG. Até ser campeão da Libertadores de 2013, viveu maus bocados – incluindo a goleada de 6 a 1 para o Cruzeiro na última rodada do Brasileirão de 2011. Poderia ter sido demitido, mas a diretoria decidiu mantê-lo. Colheu os frutos em um futuro breve, com o maior título da história do clube. Cuca só saiu em dezembro de 2013, por decisão própria. O Galo até tinha anunciado renovação com ele. Depois, porém, manteve Paulo Autuori por menos de cinco meses.

No Cruzeiro desde o início de 2013, Marcelo Oliveira é o técnico da Série A há mais tempo no comando de um clube. A exemplo de Cuca, ele resistiu a momentos complicados para alcançar títulos. No começo de seu trabalho, perdeu o Campeonato Mineiro para o rival. E foi mantido para, na sequência, arrancar rumo à conquista folgada do Brasileirão. Eliminações em competições como a Copa do Brasil do ano passado e a Libertadores de 2014 não tiveram força para abalar a confiança no treinador.

Marcelo Oliveira comandou o Cruzeiro na vitória sobre o Botafogo no Mineirão (Foto: Gualter Naves/Light Press)Marcelo Oliveira é o técnico da Série A há mais tempo no comando de um time (Foto: Gualter Naves/Light Press)


5º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)
A estrutura física é forte trunfo dos dois clubes. Eles têm centros de treinamento invejáveis. A Cidade do Galo foi eleita em 2010, em estudo feito pela Universidade de Viçosa e pelo SporTV, como melhor sede do futebol brasileiro. Recebeu a Argentina na Copa do Mundo. A Toca da Raposa II, do Cruzeiro, ficou em terceiro. Nos locais, os jogadores encontram ampla estrutura de campos, hospedagem, alimentação, medicina e fisioterapia. Além disso, desfrutam de total privacidade para trabalhar. São locais bastante isolados, com entrada restrita.

- O Cruzeiro tem uma estrutura excepcional. Dá para contar numa mão os clubes com a estrutura do Cruzeiro. A estrutura física dá total condição: quatro campos, piscina térmica, academia que foi ampliada, um hotel como poucos, com conforto, tranquilidade, espaço. O Cruzeiro tem dado as condições para esse trabalho - diz Marcelo Oliveira.

6º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)
Alisson, Mayke, Lucas Silva. Alguns dos expoentes do Cruzeiro na temporada saíram da base da Raposa. Mesmo tendo força no mercado, mesmo sendo um comprador, o clube celeste permite que seus talentos ganhem espaço aos poucos e até desbanquem atletas mais badalados. No Atlético-MG, destacam-se nomes como o atacante Carlos, o zagueiro Jemerson e o lateral-direito Marcos Rocha. O Galo é o atual campeão da Copa do Brasil Sub-17 e tem ido longe em outros torneios da base: vice da Copa do Brasil Sub-20 de 2012 e semifinalista do torneio em 2013 – além de semifinalista da Copa São Paulo em 2014. O Cruzeiro é o atual bicampeão mineiro sub-20 e ganhou o Brasileiro da categoria em 2012.
Carlos gol Atlético-MG x Flamengo (Foto: Cristiane Mattos / Futura Press)Carlos é revelação das categorias de base do Atlético-MG (Foto: Cristiane Mattos / Futura Press)


7º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)
São duas equipes que têm em campo figuras que funcionam como extensão da torcida – algo importante para a harmonia entre campo e arquibancada. Diego Tardelli é adorado pela torcida atleticana. É uma liderança do elenco, age como referência técnica do time e se mantém como símbolo dos torcedores no gramado. É uma relação parecida com a que os cruzeirenses alimentam com Fábio. Maior ícone dos últimos anos no clube, o jogador completou no último domingo, contra o Criciúma, a marca de 600 jogos pela Raposa. É o terceiro jogador com mais partidas pelo clube. 
fabio cruzeiro e Palmeiras Pacaembu (Foto: Mauro Horita / Globoesporte.com)Fábio tem 600 jogos pelo Cruzeiro: terceiro com mais partidas na história do clube (Foto: Mauro Horita/Globoesporte.com)


8º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)
É rotineiro que grandes clubes brasileiros vivam turbulências políticas, disputas por poder, trocas de acusações entre situacionistas e opositores. Atlético-MG e Cruzeiro, porém, vivem certa harmonia nos últimos anos. Alexandre Kalil assumiu a presidência do Galo em outubro de 2008, depois da renúncia de Ziza Valadares. Reelegeu-se em 2011, com quase quatro vezes mais votos que o segundo colocado na disputa. Agora, deve passar o cargo a seu vice, Daniel Nepomuceno, enorme favorito a vencer o pleito em dezembro.

No Cruzeiro, Gilvan de Pinho Tavares experimenta conforto parecido. Foi eleito presidente no segundo semestre de 2011 e assumiu o cargo no ano seguinte. No início do mês passado, conquistou a reeleição sem sequer precisar entrar em uma disputa eleitoral. Foi aclamado. Não houve chapa de oposição. Ele fica mais três anos no cargo.

9º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)


Carlinhos Neves, preparador físico Atlético-MG (Foto: Flickr \Atlético-MG)Carlinhos Neves é preparador físico fixo do Atlético-MG (Foto: Flickr \Atlético-MG)
Os rivais se notabilizam por ter bons departamentos de futebol. Ambos têm diretores remunerados na pasta, responsáveis por comandá-la – Alexandre Mattos no Cruzeiro e Eduardo Maluf no Atlético. Cabe a eles otimizar os processos de contratações, diminuir margens de erros e criar mecanismos de profissionalização do departamento. No Galo, a influência presidencial no vestiário é maior – o que fatalmente tira certo poder do diretor responsável. A Raposa tem o futebol mais livre das influências do comandante máximo do clube.

Os dois departamentos se sustentam em profissionais fixos do clube, que mantêm seus cargos independentemente de trocas de treinadores. No Galo, o preparador físico Carlinhos Neves e o preparador de goleiros Chiquinho não são indicação de Levir Culpi. Já estavam lá antes. Ou seja, é o treinador que precisa se encaixar na comissão técnica, não o contrário.

O Cruzeiro também tem boa base fixa. Mas Marcelo Oliveira acrescentou três profissionais de sua preferência à estrutura: o preparador físico Juvenilson de Souza e os auxiliares Tico dos Santos e Ageu Gonçalves.

São setores bastante recheados de especialistas. O Cruzeiro se permite o luxo de ter quatro fisioterapeutas. O Atlético-MG tem até dentista e podóloga.

10º mandamento - atletico-mg x cruzeiro (Foto: Infoesporte)
Obediência tática, entrega à coletividade e muita intensidade nas ações são marcas dos times de Atlético e Cruzeiro em campo. Os dois jogam em um 4-2-3-1 solidário, com os atacantes ajudando na marcação e o setor ofensivo oferecendo trocas sistemáticas de peças para atrapalhar a marcação adversária.

- Outro fator que ajuda a explicar o sucesso de futebol mineiro é a intensidade tática de Cruzeiro e Galo. Na execução de seus esquemas de jogo, o coletivo sobressai ao individual, e os times atuam com intensidade: muita velocidade e máxima concentração de quem joga – comenta Leonardo Miranda, blogueiro do GloboEsporte.com.

São duas equipes de vocação ofensiva. A velocidade é uma arma no Cruzeiro, e a troca de posições é frequente no Galo.

- O elenco do Galo é muito bom, e desde a Libertadores, com o Cuca, a gente mantém esse esquema. O jogador na frente tem que marcar, tem que ter essa ideia na cabeça: voltar para ajudar, assim como a defesa nos ajuda na frente. É isso que o Levir procura fazer. Temos um grupo coeso. Quando perdemos a bola, já apertamos para roubar novamente – opina o meia Maicossuel.